Feriado prolongado. Isso só a faz lembrar uma coisa: praia. E é pra lá que Daniela Davanso vai. O Dobló  prata já passou pela r...

O que eu quero saber

Por | 19:42


          Feriado prolongado. Isso só a faz lembrar uma coisa: praia. E é pra lá que Daniela Davanso vai. O Dobló  prata já passou pela revisão. Uma última parada na lanchonete antes da viagem. Agora será apenas ela, o carro e a estrada. Ah, sim, não poderia esquecer a trilha sonora. Marisa Monte será a responsável. Seu novo CD, O que você quer saber de verdade, ganhou de presente no Amigo Secreto da faculdade. Ainda não conseguiu ouvir.          

Um Ford velho azul cruzou o seu caminho. O motorista, um senhor com aparência hostil, barba mal feita, cabelos brancos e um cigarro caindo pelo canto esquerdo da boca, ultrapassa em local proibido e faz sinal obsceno para Daniela. No tumultuado trânsito da Capital, Daniela teria xingado, gritado, devolvido gestos igualmente hostis.  Mas aquele feriado seria de felicidade, nada iria impedi-la de aproveitar. Marisa, a cantora, dizia exatamente isso para ela: “Vai sem direção, vai ser livre. A tristeza não, não existe. Solte seus cabelos ao vento, não olhe pra trás.”. Era isso que ela iria fazer. Esquecer-se de olhar para trás, por pelo menos quatro dias. As últimas semanas foram complicadas. Ela não achou que gostar de alguém fosse tão complicado assim.
          

Enquanto passava pela divisa de São Bernardo e São Vicente, Marisa Monte falava sobre andar descalço no parque. Parecia que tudo o que Daniela sentia, Marisa cantava. “Pois a cada hora que passa leva comigo uma saudade de você, meu amor.” No pedágio, aquele olhar era tão parecido, mas nada se comparava à sua paixão. Uma fugaz lembrança daquela mesma cabine, meses atrás. Era uma viagem romântica. Uma segunda lua de mel.
          
Os túneis tamparam a visão da lua. Vários minutos se passaram enquanto o carro percorria aquele trecho. Estrada longa e lotada. À frente, um Sportage azul marinho com duas bicicletas em cima. Jovens recém-casados, provavelmente. A placa era de Embu das Artes. Ao lado, uma Saveiro branca transportava móveis antigos. Na outra faixa, um Crossfox vermelho. Igualzinho o carro de seu amor. Bandido amor. Até Marisa percebeu. “Depois de aceitarmos os fatos, de trocar seus retratos pelos de um outro alguém. Meu bem, vamos ter liberdade, para amar à vontade sem trair mais ninguém”. Lágrimas escorriam pela face da menina-mulher. Melhor seria trocar de faixa, mas Marisa não colabora. “Amar alguém só pode fazer bem, não há como fazer mal a ninguém. Mesmo quando existe um outro alguém, mesmo quando isso não convém”. Como poderia alguém amar duas pessoas ao mesmo tempo? É algo inaceitável, para um coração fiel. Daniela não podia aceitar. Não conseguiu aceitar. Sentiu-se traída, sentiu-se minimizada, hostilizada.
          

O equipamento de som do carro continuava funcionando, mesmo com a tentativa desenfreada de Daniela de calá-lo. Os botões não respondiam. A estrada estava ficando mais escura, mais perigosa. “A tarde estava fria. Frio também ficou meu coração ao compreender que ele partia. No branco lencinho, chorei sua traição.” Estava explicado porque Daniela evitara tanto aquele CD.
          

Marisa continuava falando para ser feliz. Ser feliz. Era óbvio. Tudo estava óbvio. Só Daniela não percebeu. Logo poderia cantar, com felicidade, a canção de Marisa. “O meu coração já estava aposentado. Sem nenhuma ilusão, tinha sido maltratado. Tudo se transformou. Agora você chegou, você que me faz feliz, você que me faz cantar, assim...”

           No alto da serra já era possível ver as luzes da baixada. Em poucos minutos estaria na casa dos pais, onde cresceu e passou os melhores anos de sua vida. “Para que ficar, mas pra onde ir? Todo lugar tem o seu aqui.” Daniela Davanso decidiu voltar para seu lar.
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