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...desde sempre

Por | 18:34

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          Você pode me julgar, se quiser, pode dizer que não passa de uma efêmera paixão, que daqui a algum tempo esquecerei tudo o que sinto, pois não há nada de verdadeiro nisso tudo e vivo uma ilusão ou que procuro evitar o convívio social com outras pessoas com receio de sofrer, mas eu não vou mentir. Apaixonei-me por uma pessoa que conheci na internet. Sei os riscos de conhecer uma pessoa assim. Há casos na TV, na delegacia, nos jornais... Mas sabe quando você conversa com a pessoa por alguns poucos minutos e então percebe que há mais entre vocês que um simples bate-papo online? Distância ingrata que não me permitia vê-la pessoalmente. Nos primeiros meses era apenas agradável a troca de mensagens. Temos tanto em comum. Falávamos de música, cinema, teatro, televisão, polêmicas do meio artístico, profissões, nosso dia-a-dia, futuro e tantas outras coisas que surgiam aleatoriamente. Dez meses depois descobri que estava apaixonada.
          Eu estudava Publicidade, na capital de São Paulo. Ela era estudante de Psicologia, no interior da Bahia. Planejei várias vezes encontrá-la, mas tudo me impedia. Ela também não podia visitar-me. Declarei meu amor. Ela não esperava que meus sentimentos fossem tão ternos assim. Encantou-se com minhas palavras, mas seu coração estava amargurado, pois já havia sofrido uma vez. Os anjos são testemunhas do quanto lutei por seu amor. Jurei-lhe lealdade, dei-lhe as mais belas flores, mandava-lhe as mais lindas cartas de amor e prometi-lhe romance eterno. Mas minhas paixões nunca duravam mais que alguns meses. Ela sabia disso e tinha receio de que minhas palavras não fossem verdadeiras. Este foi o maior obstáculo entre nós, maior até que a própria distância. Nada que eu pudesse fazer ou dizer a convenceria de que meu amor não era apenas palavras.
          Ao fim de cinco meses percebi que uma parte de seu coração já era meu. Só em saber que alguns segundos de seus pensamentos eram direcionados a mim, eu sentia a imensa felicidade entrando em meu coração. Esse misto de dor e alegria que contagia o peito quando se está amando é bom de sentir, viciante, até. Durante as festividades de fim de ano tive provas de um carinho recíproco, o melhor presente que eu poderia ganhar. Senti em sua voz um tom diferente, uma candura que sempre desejei, suas palavras estavam mais leves, mais doces. O que mais me deu a certeza da reciprocidade foram os ciúmes que ela demonstrava. Nada mais me importava durante aqueles dois meses. Minha vida era dela, para ela, só ela.
          Em março os ventos mudaram. Não respondia mais minhas mensagens, não atendia meus telefonemas. Procurei entender no que eu errei. Nada. Não havia feito nada para que tudo se transformasse. Das poucas vezes que nos falamos, ela dizia ser apenas uma impressão minha, quando eu lhe questionava sobre tais mudanças. Eu não conseguia mais trabalhar, perdi a concentração nos estudos, sempre encontrava motivos para pensar nela. As músicas que dedicamos uma para outra me faziam chorar. Os filmes que ela me indicou me deixavam para baixo. Numa certa tarde perguntei-lhe se estava apaixonada por outro alguém. Ela apenas respondeu sim. Não precisou dizer mais nada. Meu mundo acabou naquele mesmo instante. Depois disso nosso único contato foi um telegrama que ela me enviou, dizendo adeus. Nunca respondi.
          Foi um ano muito difícil. Perdi o amor da minha vida, perdi meu pai, perdi a união da minha família, já não conseguia mais entender as teorias da faculdade, já não era capaz de criar minhas peças publicitárias, minha carreira no teatro estava acabando. Senti-me um lixo, um objeto desvalorizado e esquecido em plena Praça da Sé, jamais tocado por alguém, amado por ninguém. As pessoas ao meu redor tinham pena de mim e receio de se aproximarem. Como se eu fosse alguma doença contagiosa que espalha tristeza e melancolia. Alguns se metiam a opinar sobre minha rotina, mas eu sempre dava um jeito de expulsá-los da minha vida. Outros pareciam não falar a mesma língua que eu. Não conseguiam compreender minha aflição e eu não era capaz de justificar. O amor é muito mais do que as pessoas julgam. Sempre me disseram que um amor cura outro. Pode ser verdade, mas pode não ser também. Nunca houve, para mim, outro amor que me curasse este primeiro, único e verdadeiro.
          Estou formada há três anos, mas não trabalho na área. Sou atriz teatral e viajo o país inteiro. Encontrei algumas pessoas especiais, mas nada que durasse por muito tempo, devido minha instabilidade. Não tenho família. Amigos, só os do teatro. Não me permito me apaixonar por ninguém. Não me permito entrar no coração de alguém. Amar é sofrer. As pessoas me chamam de fria, insensível, incapaz de amar. Sempre me questionam o motivo de tamanha negativa ao amor. Não sei responder. Na verdade, não posso responder. Ninguém me entenderia mesmo. Só o que faço é viver a minha vida teatral. Faço dos meus dias a mais efêmera peça encenada. Sou roteirista e atriz principal de minha própria vida.
          O espetáculo daquela noite foi na cidade do samba e carnaval. Salvador, Bahia. Só alguns poucos quilômetros me afastavam da... Não, devo esquecer.  Como já disse, não me permito mais sofrer. A casa estava cheia, o palco era agradável, os atores excelentes e o roteiro impecável. Sucesso na certa, com aqueles belos toques de improvisação. Como eu amo a arte do improviso! Nada melhor para fazer-me esquecer tanto sofrimento. A peça encenada foi Sonhos de uma Noite de Verão. Fui Hérmia, apaixonada por Lisandro. Por que, diabos, um amor sempre é contrariado ou há sempre alguém para tentar estragá-lo? Como eu queria ter uma poção do encanto! Aplausos, aplausos! Como eu amo esse som! Todos aplaudiram de pé! Foi um sucesso! Camarim cheio, pessoas pedindo autógrafos. Não sabia que nossa Companhia Teatral era tão famosa assim!
          Todos finalmente se foram. A Companhia inteira foi comemorar o sucesso em uma taberna ali perto. Um brinde ao nosso sucesso, ao nosso amor pelo teatro, à nossa dedicação e um brinde por termos uns aos outros, somente!
- Excelente interpretação!
          Ora, ora. Uma fã nos reconheceu. A companhia logo se animou ainda mais. Virei-me para cumprimentá-la e quase se foi uma taça ao chão. Não era  possível! Meus olhos realmente estavam vendo isso? Cabelos soltos, vestido lilás, com detalhes verde musgo, fazendo lembrar uma das mais belas flores, a petúnia. Era ela. Tão pura, bela e sensual. Tão somente ela, meu amor virtual. Apressei-me em tentar disfarçar, diante dos meus amigos, minha estonteante surpresa. Não queria que eles soubessem de minha fraqueza. Permiti-me falar apenas ao ter a certeza de que minha voz não sairia trêmula,
- Obrigada, senhorita!
          Ela parecia surpresa com a minha indiferença. Isso me perturbou completamente. Como poderia ela não compreender que estava apenas me fechando para não chorar? Seu sorriso logo se fez molhado, seus lábios tentaram pronunciar alguma coisa, mas se fecharam. Seu olhar era de tristeza, decepção. Mais uma vez tentou falar, e tudo que conseguiu dizer, após desviar o olhar de mim, foi um austero sucesso, a todos vocês! Ela se virou e caminhou em direção à saída. Outro rápido brinde com o elenco e fui atrás dela.
- Espera! Desculpe por aquilo. Fiquei surpresa ao te ver, não sabia como reagir.
- Você reagiu da forma correta! Eu é que não poderia esperar mais que isso depois... – Ela me encarou, esperando que eu completasse sua frase. Pelo meu silêncio, ela ficou ainda mais triste e constrangida e continuou -  Depois de tudo o que aconteceu.
- A gente chega a uma etapa da vida e já não sabe mais se agiu da forma correta ou completamente equivocada.
- Eu não quero te atrapalhar. Seus amigos estão te esperando!
- Aonde você vai?
- Voltar para casa da minha tia.
E foi-se desviando de mim, afastando-se aos poucos, até dar as costas e caminhar adiante.
- Sozinha? Está tarde para ficar andando sozinha por aí. E está começando a chover.
- Ela mora por perto. Não precisa se preocupar.
          Insisti para levar-lhe com o carro da produção. Após tanta reluta, ela aceitou. Não falamos nada, no caminho. Parei bem em frente à casa de sua tia e a esperei descer e se despedir com um seco tchau, mas ao invés disso ela pegou um CD da bolsa e respirou fundo.
- Esse CD possui uma única faixa. É uma canção que eu mesma compus. Eu quero que você, ao chegar em casa, escute-a enquanto estiver se preparando para dormir, deitada em sua cama, enquanto a chuva cai do lado de fora. Depois de ouvi-la, por favor, não me procure. Basta que você saiba.
          Guardei aquele CD e voltei para o bar. Uma parte de mim queria ouvi-lo na mesma hora. Outra parte me impedia. Apesar da curiosidade, eu estava com medo do que aquela letra poderia me dizer. Ao final da temporada no norte do país, seis semanas depois, voltei para meu apartamento em São Paulo. Ao desfazer as malas, me dei com aquele CD. Realmente só havia uma única faixa. A voz era dela. Excelente melodia! Quanto à letra, me destruiu por inteira.
Meu coração morreu quando lhe disse adeus
Por que eu te amo, sempre te amei, desde o primeiro instante.

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