No momento em que eu me levantei da cama, naquela manhã, senti que o dia seria diferente. O ar que passava pelos meus pulmões pa...

Dez minutos - Versão 2

Por | 22:02
          No momento em que eu me levantei da cama, naquela manhã, senti que o dia seria diferente. O ar que passava pelos meus pulmões pareciam mais ternos, mais puro. Nem era preciso abrir a cortina para sentir o sol me aquecer. Caminhei, descalço, pelo quarto, e tive a sensação agradável de estar na areia macia. Havia uma música de fundo, e ela cantava só para mim. Só voltei para meu dia comum com o toque do telefone. Era meu noivo, me chamando para sair.


          Estávamos voltando para casa, quando paramos na calçada, aguardando o sinal abrir para podermos atravessar a rua até o portão de casa. Tudo estava exatamente como estivera nos últimos anos. Mas, por um motivo que não soube explicar, eu já não vira mais aquele sobrado abandonado. De repente, eu voltei ao tempo em que havia aquele muro pintado, os garçons passeando pelo seu interior, os clientes satisfeitos, fiéis. Ao seu lado, eu via aquela agradável livraria. No muro da padaria, a pichação pedia por paz. Agora já nem é possível compreender o que está escrito. Olhando para a mecânica, lembrei do Sr. João, o padeiro. Eu me lembro daquele canteiro central. Passeávamos por ali todos os domingos. Só eu e ele. E então me recordei de nossa infância. Tanto anos juntos, percorrendo aquele bairro, aquelas ruas, cumprimentando o padeiro, o dono da lanchonete, da joalheria, da banca de jornais.

          Tivemos uma juventude rica, ao som de The Beatles. Uma vez ele me fez parar bem na faixa, com aqueles nossos amigos de infância, só para tirar uma fotografia como a da capa do CD da banda, em Abbey Road. Reclamei, no momento, mas agora sinto saudades daquele tempo. Saudade. Pronunciei em voz alta, enquanto meu namorado conversava assuntos que eu nem ouvia. Parado, ficou me observando, em silêncio, tentando entender. Olhei para ele, com os olhos lacrimejados, e repeti “Saudade”. Ele vinha à minha mente, desde o primeiro instante. Eu não podia evitar de olhar para aquela rua, depois de mais de quatro anos, e me lembrar de toda a felicidade em que eu vivia. E tudo se acabou por conta de bobagens. Um pequeno erro, o mínimo detalhe, que fez toda a diferença, que mudou o meu caminho, que o afastou de mim. Repeti, em voz alta, que tinha “Saudade” da época em que tudo para mim era “Felicidade”. E então, tomada por uma emoção estranha, me vi paralisada, quando ele, que estava bem à nossa frente, se virou e me olhou ternamente, da mesma forma que me olhava, quando eu lhe dava o beijo de boa noite, e ia para casa, ou quando ele tinha que passar o fim de semana na casa dos avós. Aquele mesmo olhar, que dizia claramente ‘Eu sempre amarei você’.

          Não havia dúvidas, ele havia voltado, e voltado para mim. Chorei, ao ver, novamente, os olhos de meu primeiro e único amor. Não me contive e o abracei, como que para ter a certeza de que era realmente ele. Abraço longo e sincero, de quem não gostaria de soltar jamais, de quem aceitaria em seus braços para sempre ficar.

          Sem fôlego, de tanto amor preso em meu peito por tanto tempo, ouvi-o dizer, baixinho, em meu ouvido, as palavras que esperei durante toda a minha vida: “Eu te amo!”. Percebi então, o erro que eu estava prestes a cometer. Meu sorriso se foi, minha felicidade se esconder, as lágrimas cessaram, e apresentei ao meu grande amor, meu noivo, que encabulado com a cena que presenciara, pegou em minhas mãos, e me carregou para o portão da minha casa, que agora é de alumínio.
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